Não ser só "A professora"
Apesar de ter poucos anos disto, já me apercebi que sou uma professora (de dança) daquelas que, quando se apega aos miúdos, vira quase mãe deles. Nem sei como é que me espanto com isso...no que toca a bebés e criançada em geral, sempre fui daquelas brutinhas a falar mas coração mole a agir. Nesse aspeto, revejo-me um pouco na figura feminina mais presente na minha vida, que para além de ser uma mãe extraordinária, é também a melhor educadora de infância que já conheci (e não o digo por ser quem me carregou no ventre).
Avançando, hoje um dos meus meninos da Academia chegou muito triste ao pé de mim e disse-me que, afinal, não poderia participar no espetáculo final de ano. Perguntei-lhe porquê (já também tristissima e a tentar controlar-me), ao que o menino me respondeu que a mãe e família próxima estariam a trabalhar e que ele não teria como chegar ao Teatro. A mãe entendeu a conversa e veio falar comigo também, abalada por fazer esta desfeita ao filho de 8 anos, que esteve o ano todo ansioso por finalmente pisar um palco. Ainda tentei arranjar uma solução, mas em vão.
Na hora de ir dar a aula, o D desceu comigo, de lágrimas nos olhos, e a dizer que queria apenas assistir. Insisti que poderia aprender o resto da coreografia mesmo sem indo ao espetáculo, mas ele desabafou um "é pior, sinto-me ainda mais triste" que me deixou de rastos. Passei a aula toda a ver a sua cara de bambi abandonado a olhar-me do espelho, enquanto eu montava o resto da coreografia com os seus amigos. Foi complicado pôr de lado o coração para tornar aquela hora de ensaio proveitosa.
A meio da aula, a Diretora da Academia quis falar com o D. Prometeu-lhe que arranjariam forma de ele ir dançar, desse por onde desse.
O menino ficou mais animado e eu fiquei muito grata à Diretora M pelo gesto, apesar de ter ficado com uma "major question" a pairar-me na moleirinha: E SE não conseguem mesmo que o miúdo chegue ao Teatro naquele dia?"
Em menos de nada, soube a resposta. Como se tivesse sido iluminada por um neuroniozinho qualquer adormecido, e que este tivesse feito desaparecer a nuvem de cansaço que me pairava em cima. Apesar de saber que poderia ser mais uma "tentativa" em vão, pedi licença para sair por 5 minutos e fui falar com a mãe do D ao corredor.
Perguntei se o menino morava perto da Academia. E, felizmente, mora MUITO perto. E portanto, respirei fundo por nem acreditar no que estava a propor, e atirei um: "E se eu o for buscar a casa nesse dia e formos os dois de transportes para o Teatro? E depois da atuação, trago-o de volta."
Os olhos da mãe brilharam. Agradeceu-me ate não poder mais. O miúdo ainda não sabia, mas imaginei a sua felicidade. A rececionista olhava-me como se eu tivesse enlouquecido de vez, já que eu sou a que mora na outra margem do rio e também a que ainda vai ter de fazer um enorme desvio no trajeto, e a que vai apanhar montes de transportes a um Domingo (que são extremamente mais escassos), com um miúdo de 8 anos que não me é nada à minha total responsabilidade.
A tentar ir em meu auxilio, o corpo docente da Academia prometeu tentar encontrar uma solução mais "viável", mas não puseram de parte a minha, já que seria um "último recurso" a ter em conta.
Quanto ao D, nem teve uma reação muito expressiva... apenas dançou e ensaiou o resto da hora com uma força que eu nunca lhe tinha conhecido... o que para mim, bastou.
Nestas alturas entendo que não dá para ser "Só professora". Não para quem gosta do que faz; Não para quem se preocupa; Não para quem ganha um carinho especial pelos "minimeus" que ensina uma ou duas vezes por semana.
Se rocei a linha que separa "professora dedicada" de "pouco profissional"? Sim.
Mas caramba... vai tão valer a pena!
PS: Muito obrigado ao corpo docente da Academia, pela tão extraordinária preocupação em solucionar as tristezas de um pequeno bailarino "hip-hop'er" de 8 anos <3