O dia que todos os bailarinos temem
Quando fazemos da Dança uma carreira, possuímos, inevitavelmente, um medo comum a todos os profissionais das áreas físicas: que o nosso corpo falhe. O corpo é o nosso instrumento de trabalho mais precioso, e precisamos dele não só para exercer como também para progredir. Ele tanto nos ajuda a limar arestas, como é limado ao mesmo tempo.
Então, quando trabalhamos nestas áreas, o medo que o corpo falhe (seja de que modo for) é permanente. Pode não estar sempre lá a todo o momento a assombrar-nos, mas existe, é real, inevitável e compreensível. Se estamos constantemente a levá-lo aos limites (e a tentar passá-los), o corpo há de ceder. Ninguém é de ferro.
Umas vezes (a maioria), o corpo cede temporariamente. Lesionamo-nos, curamo-nos e voltamos à carga. Mas outras vezes, lesionamo-nos de tal modo que é permanente. O nosso instrumento de trabalho trai-nos e mostra-nos que as suas arestas foram demasiado limadas e que não aguenta mais. Há quem veja nesse momento o mote para parar. Outras, forçam a situação, arranjam maneiras de continuar a sua vida profissional de forma ativa e fisicamente estável.
Depois, há as remotas vezes em que o corpo cede por se descobrirem más formações, por se descobrirem doenças vindas do nada. Essas são as vezes em que, por mais que levemos o nosso corpo ao limite, não temos a culpa que ele tenha cedido.
Os bailarinos (e os restantes profissionais ligados a carreiras exigentes fisicamente) temem o dia em que lhes digam que algo está errado. Se é algo passageiro, porreiro... Aguenta, cura e segue. "Bem feita", pensamos por vezes, "devias ter alongado melhor/ não devias ter feito aquele movimento assim/ devias ter visto isso mais cedo".
Mas e quando é algo que não podíamos ter prevenido?
Temi esse dia, todos os dias. E ele acabou por chegar.
A partir de hoje sei que tenho Espondiloartrite Minor, mais conhecida como uma das doenças da dor crónica. Felizmente não tenho a componente inflamatória (que é a que de facto limita a vida e o trabalho de alguém), é controlável após alguns ajustes medicamentosos e conciliável com a minha profissão.
Ainda que tenha ouvido por parte do médico que não tenho de deixar a carreira da Dança, que com algum estudo e ajuste não vou ter dores e que não é degenerativo nem me vai afetar em grande escala... ainda assim, hoje não é um bom dia. É um dia em que assumo perante mim e perante os outros que terei de ter cuidados específicos comigo mesma para o resto da vida. Em que me recordo que não sou de ferro, que o corpo é uma bomba relógio e que a toda a hora estamos sujeitos a surpresas desagradáveis.
Parece fácil, porque há coisas muito piores... mas não é. Pelo menos hoje, pelo menos para mim.
A partir de amanhã, não "aguento, curo e sigo" como nas lesões temporárias, mas "aguento, atenuo e sigo". Dou graças a Deus por existirem opções que, com um comprimido ou outro, me ajudarão a "esquecer" e a ter apenas alguns "dias maus" por ano. Sou uma sortuda por ser uma "variável leve" nos casos existentes.
Mas hoje... hoje sinto-me no direito de estar vulnerável, triste e assustada.
Desculpem lá este post, que mais parece o muro das lamentações... mas já dizia o outro que "escrevo para não enlouquecer". Escrevo para racionalizar.
Abracinho da Ju!