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Palavra de Bailarina

Para além de dançar o Mundo, gosto de escrevê-lo

Sex | 06.10.17

Corre, o tempo vai à tua frente - PALAVRAS DANÇADAS #5

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O cronómetro voltou a contar os seus segundos do zero e já não há como o parar. Não importa o tipo de marcha, mas sabes que tens de seguir. 1,2,3,4 segundos, parece tão pouco e no entanto sabes que esse mesmo cronómetro já marcou números com 6 ou mais algarismos e que foi recolocado no zero durante as curtas pausas que fizeste.

5,6,7,8. Não importa se vais de sapatilhas, botins ou salto agulha, o que importa é continuares. O teu corpo vai em modo automático, os pés já não doem, os músculos já não se ressentem, mas a cabeça… a cabeça tem os seus dias. Mas segue. Vai seguindo.

37, 38, 39, 40. Revoltas-te porque não queres ir tão rápido. Não queres seguir sem sequer ver o chão que pisas, o cenário que te envolve, a brisa que te ajuda. Não queres ir tão rápido, mas TENS de ir. Porque o cronómetro não vai parar e o tempo é escasso.

108, 109, 110, 111. Sentes-te confuso porque queres voltar para trás. “Voltar para trás depois de tantos algarismos naquele cronómetro? Eles já não estão lá, mas estiveram! Não te esqueças deles. Não os deites fora. Lembra-te porque é que começaste este percurso. Continua, vá lá!”

390, 391, 392, 393. Choras porque respiras sôfrego, porque estás cansado, porque queres simplesmente parar. A palavra DESISTIR pesa-te nas costas como rochas apanhadas à beira do rio. É uma palavra feia, um verbo estúpido, mas tu considera-lo. Porque não? Se desistir o que é que me acontece? No teu íntimo ainda não queres bem descobrir. Por mais tentado que te sintas.

584, 585, 586, 587. O teu corpo corre em passo largo, desajeitado, pesado. A tua cabeça explode de adrenalina, já não sabes para onde estás a ir mas sabes que tens de chegar algures. Sentes-te sozinho, apenas ouves ecos: O que importa é continuar. O que importa é continuar. O que importa é continuar.

1043, 1044, 1045, 1046. As lágrimas por vezes correm, mas já aprendeste a limpá-las em silêncio. Há outros caminhantes que passam por ti e te perguntam se estás bem. Tu respondes que sim, quando sabes que não. Ou achas que não. Nem tens a certeza. Já não sabes como te sentes. A dormência apoderou-se. Não importa. Segue caminho.

11087, 11088, 11089, 11090. Alguém vem por trás e tenta empurrar-te. É um empurrão para caíres, não para continuares. Conheces tão bem a diferença. Que falta de respeito por quem tanto se esforça. Rebentas. Voltas a sentir de novo. O medo, a raiva, a frustração, a confusão, a adrenalina. E corres mais depressa. Com vontade de chegar. Não de chegar primeiro, simplesmente chegar.

1007789, 1007790, 1007791, 1007792. Estás quase lá e de repente queres correr mais depressa. Já não com frustração ou com medo, mas com a expectativa do que se encontra lá à frente. Sentes-te culpado por não teres apreciado melhor o caminho. Talvez fosse mesmo impossível. As paisagens estavam turvadas pela velocidade do teu trajeto e pelo cansaço da tua cabeça.

23123456, 23123457, 23123458, 23123459. Os teus pés cortam a meta mas continuas a andar. Não sabes como parar, já percorreste um longo caminho. Estás em modo automático e nem te apercebes de onde estás. Estás no destino. Já chegaste. Apercebes-te e choras. É um choro instável entre a felicidade de ter terminado e o medo de saber o que ficou para trás sem que te apercebesses.

Olhas para o lado e vês a tua claque. Aqueles que nunca saíram do teu lado, ainda que não os visses no nevoeiro da tua mente. Aqueles que te ampararam as quedas sem que as quisesses amparadas e os que te puxaram para a frente quando quiseste voltar para trás.

Nunca estiveste sozinho e sempre foste capaz de terminar esta viagem. Cada vez que o cronómetro foi reiniciado após as curtas pausas e descansos, foi uma oportunidade de respirares e retomares caminho.

Sempre foi possível.

... ... ... ... ...

De repente acordas e estás prestes a iniciar viagem. O cronómetro voltou a contar os seus segundos do zero e já não há como o parar. Não importa o tipo de marcha, mas sabes que tens de seguir. 1,2,3,4 segundos, parece tão pouco e no entanto sabes que esse mesmo cronómetro já marcou números com 6 ou mais algarismos e que foi recolocado no zero durante as curtas pausas que fizeste.

Afinal não sei se sou capaz. Sonhar é fácil, concretizar é mais difícil.

Tenho mesmo de fazer tudo isto de novo?

“Tens.”

 

 Autor: Palavra de Bailarina by Joana Duarte