Encantos de inverno - Palavras Dançadas #10
Estou sentado neste café tão típico dos subúrbios de uma cidade, sozinho na esplanada em pleno inverno. E saliento a palavra "sozinho" porque, de facto, só os loucos ficam aqui fora a bafejar as mãos para as manter aquecidas, enquanto se encolhem de frio frente a uma chávena de café ou chá.
Mas eu gosto desta sensação. Gosto de sentir o inverno no seu todo, gosto de lhe fazer frente. Há tanta beleza no sentimento acolhedor com que nos presenteia... e as luzes de natal, ainda a partilhar o seu protagonismo com as folhas secas que dormem no chão? Digno de postal, penso eu.
As pessoas passam junto à esplanada, na pedra da calçada que nos une, e tal como eu, encolhidas de frio. Umas passam com pressa, outras simplesmente concentradas em se manterem aquecidas, mas poucas passam conscientes do seu ato e passar... poucas passam firmes, em pura e plena apreciação do que as rodeia. Poucas passam como tu passas.
Passas elegante, com o teu casaco de penas vermelho escarlate e as tuas botas de cano alto; metade do teu cabelo está aconchegado debaixo do teu gorro cinzento, e a restante metade cai-te suavemente numa trança, na direção do teu ombro direito.
Olhas para mim e sorris. Não sei se sorris por apreciares a minha presença, ou se sorris da pena que tens da pessoa idiota que sou, voluntariamente sentado a bater o dente cá fora. Mas sorris com convicção, um sorriso acompanhado de um olhar interessante, inteligente, cheio de conteúdo... e eu retribuo sem jeito, com esperança de que a minha boca não me traia com algum trejeito de frio, até te perder de vista.
De facto, só os loucos ficam aqui fora a bafejar as mãos para as manter aquecidas... mas também, na realidade, só os loucos como eu têm o prazer de apreciar toda a beleza que traz o inverno... e toda a beleza que lhe trazes tu.
Autoria do texto: Joana Duarte - Palavra de Bailarina
"Esplanada de inverno" - ilustração da autoria de João Concha