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Palavra de Bailarina

Para além de dançar o Mundo, gosto de escrevê-lo

Sab | 07.11.20

Palavra de Mãe #2 - Experiência de parto (em tempos de Covid)

Creio que escrevo por todas as grávidas de 2020 quando afirmo que os receios "normais" do parto e do pós-parto ainda se intensificaram mais e foram complementados com novos, provenientes desta maldita Pandemia. De repente, também temos medo de ficar infetadas por um vírus que assolou o mundo inteiro, temos medo de infetar o nosso bebé e das consequências que pode isso trazer (uma vez que nem sequer existem conhecimentos suficientes para conhecer as repercussões de tal cenário e os sintomas também diferem bastante). Com tanto por saber, as normas para o parto também foram mudando há medida que o tempo avançava em contexto pandémico, e a minha opinião sincera é que as grávidas "sofreram" bastante com as mesmas. O que se foi considerando mais seguro resultou em experiências traumáticas ou menos agradáveis para muitas mães, bebés e pais também, impotentes nesta situação e, na maior parte dos casos, ausentes por obrigatoriedade dos hospitais. O início de vida de muitos filhos não foi o que os pais sonharam, os primeiros dias não foram numa bolha de amor mas sim de solidão. 

Chegado o início do mês de Julho, chegou portanto a "minha vez". A situação na altura atual continuava a basear-se, nos hospitais públicos, na ausência dos pais nos partos e nos quartos após o parto mais do que alguns minutos; na ausência de qualquer visita, na testagem das mães para o Covid antes do parto mas, no entanto, alguns já aceitavam que os bebés permanecessem com a mãe após o nascimento mesmo que esta estivesse infetada (anteriormente, em alguns hospitais eram "levados" até que a mãe testasse negativo, e eram amamentados por profissionais após extração do leite da mãe através da bomba. Uma violência, portanto).

Nos hospitais privados, cada um tinha as suas próprias regras (e um pouco mais "simpáticas"). No caso da CUF Descobertas,  para onde sempre foi suposto eu ir (com ou sem Covid), o pai podia assistir ao parto caso a mãe testasse negativo para o Covid-19 dois dias antes do mesmo e podia ficar com ela no quarto todos os dias de internamento do pós parto, com a condição de nunca sair dele (dormir lá, portanto) e de ambos colocarem máscara na presença de profissionais de saúde (Não esquecer que os quartos são privados).

Para isto, obviamente que o parto do Vicente teve de ser marcado, e sobre induções não me vou alongar, pois daria pano para mangas (e muita discussão também). Foi um parto logo à partida de cesariana, marcado para as 39 semanas de uma gestação completamente saudável e um bebé bem desenvolvido. Por sorte e destino, o Vicente "aguentou-se" no seu T0 até ao dia necessário para poder ter o papá connosco. 

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Como sabia à partida que seria cesariana por algumas questões alusivas à minha anatomia, posso dizer-vos que uma das sensações mais estranhas e aterradoras da minha vida (no bom e no mau sentido) foi levantar-me na manhã do dia 2 de julho e pensar: ok, vou-me despachar para ir para o Hospital conhecer o meu filho, que está aqui na minha barriga. Barriga essa da qual tive necessidade de me despedir. Estava tão habituada a ela (coisa que se intensificou com a quarentena grávida) que sentia que ia ter muitas saudades dela e de ter o Vicente lá dentro. De sermos um só. Digam-me por favor que não fui a única tonta com este pensamento melancólico.

Por outro lado, era um entusiasmo e nervosismo atroz por ir conhecer finalmente o meu bebé e, ao mesmo tempo, o pânico típico das "mariquinhas" que tremem com agulhas, sangue e bisturis.

Enfim... um misto de sensações muito complexo, mas que pendia sempre para a felicidade pura. Nem neste dia, nem nos seguintes, me lembrei do Covid-19.

"Mas e a experiência, Joana?"

Desde a admissão no Hospital, à preparação (onde a minha obstetra, que me acompanhou em todo o processo de gravidez, fez questão de me vir ver e tranquilizar ainda antes de ir para o bloco), ao processo de anestesia e também a estadia, foi tudo super tranquilo e sentimo-nos sempre muito acompanhados e apoiados pelos profissionais de saúde. Tenho de agradecer do fundo do coração à minha querida obstetra, Sílvia Roque, a forma prática e descomplicada com que levou todo o processo, misturado com muita doçura e entusiasmo como se fosse o "seu primeiro bebé" a nível profissional ("ai olha que giro, as mãos a abrirem e a fecharem com tanta rapidez", dizia ela numa das minhas ecografias do terceiro trimestre), e também pelo excelente trabalho na cesariana, com a minha cicatriz e pelas visitas ao quarto nos dias seguintes, que não tinha a obrigação de fazer; às enfermeiras no bloco, pela simpatia e humanismo (até a festinhas na cara tive direito) , à pediatra que foi acompanhar a cesariana, por me permitir o contacto pele a pele durante todo o tempo que estiveram a fazer o seu trabalho na minha barriga imediatamente após o nascimento e por ter dito ao João para a acompanhar na pesagem e medições do Vi, ao anestesista pelo seu humor hilariante, que foi crucial no momento da epidural ("Está a doer? Não? Ai que bom, olhe, a mim também nunca me doeu e estou nisto há uns anos") e também às enfermeiras e auxiliares que nos acompanharam no quarto, dia e noite, em todo o pós-parto, inclusive na amamentação, e que não foram de todo fundamentalistas no momento em que lhes disse "tragam-me leite de fórmula, que já percebi que o meu leite não lhe chega". 

Nunca vi uma "má cara" naquele hospital, mesmo por detrás das máscaras, agora imperativas. E podem dizer "é normal, é privado". Tudo bem, se não gostarmos não voltamos, e se não voltamos não há dinheirinho para eles. Até podem ter sido essas as suas razões, mas o que é certo é que, num momento tão delicado da nossa vida (minha e do João) e com a fragilidade em que me encontrava após 3 meses e meio em casa de quarentena e cheia de receios pela pandemia, foi como sentir-me levada ao colo. Volto a escrever, naqueles dias não me lembrei do Covid-19. Olhei e cheirei o meu filho até não poder mais, apaixonei-me mais um bocadinho todos os dias, vi crescer medos e outros vi diminuírem também. Vi nascer também uma mãe e um pai de um bebé já considerado da "geração Covid", mãe e pai estes muito solitários após a vinda para casa, apenas com visitas dos avós do Vicente, cheios de receios, tapados com máscaras, sem colo para poderem dar ao menino e apenas com um "colo de palavras afetuosas" e comida quente para nos darem a nós. Por isso sim, tivemos toda uma experiência positiva na CUF, que foi crucial para um regresso a casa mais harmonioso, e trazemos boas memórias dos dias lá passados no "quarto de hotel", como lhes chamámos. Caramba, até a comida era boa!

O que torna um Hospital bom ou mau não é ser público ou privado. São os seus profissionais, o seu amor à profissão, a sua competência, mas também passa muito pelo seu lado humano. Sempre, mas principalmente nesta altura tão frágil que vivemos. Se um dia tiver um segundo filho, espero ter possibilidades (as mais variadas) para regressar à CUF e também ao acompanhamento da Dra. Sílvia.

Um bem haja aos profissionais da CUF! Obrigado por terem estado lá para nós, no dia em que conhecemos o Amor mais bonito e intenso de todos.

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