Estar cansado: a subvalorização de um estado que pode ser sério
Quando as pessoas que nos rodeiam veem em nós indivíduos que estão sempre a fazer muita coisa ao mesmo tempo, tendem, mesmo sem querer, a desvalorizar quando utilizamos as expressões: "estou cansado/estou de rastos".
Imediatamente vem a resposta "Tu? Vá, deixa-te disso, tu consegues tudo", ou outras parecidas.
Apesar de existir da parte da pessoa cansada um profundo agradecimento pelo apreço, o apoio e a tentativa de meter o "astral para cima", expressões como a que referi acima chegam a frustrar-nos. Porque sim, frustra. Frustra ser sempre o esforçado, o dedicado, o mr ou miss sorrisos, o atencioso, o multi-funções, o super-homem/mulher. Temos direito a sentirmo-nos cansados, e esse conceito, utilizado por quem anda sempre numa roda viva, talvez seja motivo de alerta. Talvez as pessoas que afirmam estar de rastos (quando, na realidade, parecem ter tempo e energia que nunca mais acaba) estejam a pedir "socorro" por se sentirem numa fase em que nada flui: nem a cabeça nem o corpo obedecem à sua versão natural do "tenho-mil-coisas-para-fazer-e-gosto-disto-assim." Talvez queiram apenas ouvir da boca de terceiros que não faz mal descansar; não faz mal querer fazer uma pausa; não faz mal se quiserem parar; que nem sempre desistir de algo é dar parte fraca; que sofrer de ansiedade não é só para os mentalmente instáveis; que não existe apenas um caminho ou até mesmo uma direção (há mil e uma ruelas a experimentar, não importa se demoram menos ou mais a chegar ao destino); que não faz mal não quererem estar em modo criação-produção; que é normal sentirem cansaço.
"Tu podes tudo". Certo. Todos podem tudo. Também sou apologista de que 10% é talento e 90% é esforço, e que dentro desses 90% de esforço existem uma série de conceitos baseados em auto-disciplina, espírito de sacrifício, humildade, e muito trabalho e dedicação. Mas também somos todos humanos. E todos podemos precisar de uma mão que nos traga à tona da água para recuperar o fôlego e voltar a mergulhar.
A vida não é só feita de gente otimista e de boas "vibes". Não é feita de fotografias no instagram de olhos serenamente fechados, cara para o pôr do sol a respirar fundo, num bruto cenário e uma descrição zen; a vida também é feita de apneias; E há que saber que elas existem, para que possamos lidar com elas. De nada serve fingirmos (perante nós e perante os outros) que somos sempre otimistas e vestimos sempre os melhores sorrisos.
Permitam-se encontrar a serenidade em todos os vossos estados. Nos melhores e nos piores.