Feridas abertas
Ontem a tua morada mudou de novo. E eu, como afilhada dedicada que sou, fui assistir a essa mudança. Não penses que fiquei contente ou que gostei da visita. Partiste há oito anos e parece que foi ontem que fui obrigada a aceitar aquela tua nova casa, num pedaço de terra frio e sem jeito, nada a ver contigo. Ontem, foste para outra morada parecida, numa outra localidade. Aquela que realmente desejavas, ao pé da tua avó, segredou-me a tua mãe. O pouco que a ferida já tinha sarado, voltou a abrir. Depois de tanta vida que tiveste, de tantos sonhos que me passaste, depois de tantos sorrisos, de tantos lanches de chá e pão de ló, depois de tantos passeios, de me dares a conhecer os lugares mais singulares para beber um café ou comer um gelado, depois de espetáculos de dança e conversas relativas ao assunto... depois de tanta cumplicidade e de tanto amor que mutuamente nos cercava, partiste sem deixar rasto (não que a culpa tenha sido tua). E hoje... resumes-te a uma caixa de madeira deitada num pedaço de terra. A partir de ontem, numa nova morada. A partir de ontem, na mesma morada que a tua avó.
Por mais anos que passem, há hábitos que não se adquirem... ter-te longe de mim é um deles. Uma dor atenuada nem sempre significa que já passou. Ontem apercebi-me disso.
Porra, tenho mesmo saudades tuas.