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Palavra de Bailarina

Para além de dançar o Mundo, gosto de escrevê-lo

Sab | 15.10.16

Relatos de quem sofre de ansiedade - Palavras dançadas #1

 

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"A noite não foi tranquila. Revirei-me tanto na cama, e nem percebi porquê. Cabeça a mil, mas sem pensamentos específicos. “Assim é difícil perceber o que me queres dizer, cérebro”, pensei. Não consigo focar-me em nada em concreto. E isso frustra-me. E mantém-me acordada.

Acordo exausta de nem sequer ter descansado. A noite foi em vão, sem qualquer conclusão. Não havia motivo para não dormir. Não havia motivo para sabotar o dia que tenho pela frente. Mas é tarde de mais. Já está. Estou cansada e tenho de sair da cama. Tenho de enfrentar o dia. Pessoas, conversas, ações. Hoje não consigo... mas tem de ser. Levanto-me sem a certeza de que não me irei voltar a esconder entre os lençóis. Hoje não estou capaz de enfrentar o Mundo. Não sei agir, reagir, falar, lidar com alguém. E agora?

Saio antes da hora, com medo de chegar atrasada ao trabalho e mudar de ideias. Ainda assim, penso nos prós e nos contras de estar a ir, de enfrentar o dia. “Tarde de mais”, tento dizer ao meu cérebro. Aguenta. São só umas horas.

Mas o cérebro não cede. A minha boca está seca, os meus músculos involuntariamente contraídos, o coração a querer saltar do peito, as náuseas a quererem tomar conta da situação, a respiração num sofrimento notável. No meu íntimo, algo de horrível vai acontecer, e eu não o consigo evitar, porque não sei o que é. Ainda assim, insisto. Vou trabalhar. Finjo um sorriso, perguntam-se se vim a correr porque estou a arfar… eu brinco, dizendo que estou em baixo de forma e que aquelas escadas me matam. Mas o meu corpo está bem. O meu cérebro é que viola o seu bem estar. Sofro de violência doméstica, provacada descaradamente pela minha mente ao meu físico. E eu escondo-o de toda a gente. Por vezes, até o tento esconder de mim.

As horas não passam, os minutos estendem-se, e eu sinto-me a perder o controlo. Sento-me, bebo um copo de água, mas ainda me sinto mais nauseada. Mil pensamentos me chegam à cabeça, primeiro no tempo presente: “porque é que sou assim?”, “porque é que não consigo lidar com a vida de uma maneira normal?”, “será isto apenas imaturidade?” e depois começam rapidamente a passar para um futuro longínquo: “não tenho nada para o almoço de amanhã, a que horas é que consigo ir comprar? Nem sei gerir o meu tempo, como é que vou ser uma boa mãe um dia?”, “ será que me vão despedir? Talvez eu não saiba lidar com esta pressão, talvez me deva despedir. Mas qual pressão? Onde é que está a pressão? Se me torturo desta forma, hei de sofrer de Alzheimer ou demência um dia. E vou acabar sozinha. Qual é o propósito de trabalhar se vou acabar sozinha?”. Pensamentos aleatórios. Ridículos, se fossem ouvidos pelos que me rodeiam. Gravíssimos, para mim.

Não consigo controlar-me mais. Tenho de ir para casa. Mas primeiro tenho de ir avisar que vou para casa, que não me sinto bem. Vou junto dos meus colegas, depois de ter respirado fundo e de me sentir minimamente controlada, para lhes dizer que devo ter comido alguma coisa estragada. Mas quando abro a boca para falar, é como se abrisse uma torneira, e as lágrimas caem sem qualquer tipo de controlo. Sento-me no chão, não oiço ninguém, tenho vergonha, tapo os ouvidos, fecho os olhos. Pesadelo ou realidade? Não me lembro das alegrias da vida, não me recordo de quem gosta de mim, não tenho propósitos para viver, quais são as minhas aspirações? E as inspirações?"

O descontrolo apodera-se, cria o caos e cega-me. Naquele momento, evapora-se  tudo o que de bom existe. Por mais que me esforce, tudo é negro, sem hipótese de colorir por cima.

Horas depois, a calma (aparente e efémera) retorna. Ainda estou no mesmo sítio, sozinha não me conseguiria mexer. Sinto-me exausta, da noite mal dormida, da adrenalina em excesso. A cabeça arde, os olhos querem fechar, os músculos estão doridos de toda a contração involuntária, estou zonza consequentemente à hiperventilação.

Mas tudo passa. Passa sempre. Até voltar.

Não sou uma drama queen. Sofro de ansiedade."

 

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Este primeiro texto do Palavras Dançadas não é de todo um tema leve, no entanto é sobre um tema comum a muita gente e que, muitas vezes, se torna tabu, apenas porque os "outsiders" não compreendem.

Este é um texto com o qual muita gente se poderá identificar. 

Antes de julgarem, tentem entender que nem sempre estamos aptos a "controlar-nos"... seja o que for que isso signifique.

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